José Maria Martins

Blogue do advogado José Maria Martins

quarta-feira, maio 20, 2009

Freeport - Ou há moralidade ou comem todos! O Ministério Público deve ter posição uniforme

Todos nos recordamos que a Senhora Procuradora-Geral Adjunta, Drª Cândida Almeida, directora do DCIAP, disse que o teor da conversa gravada em DVD sore o Freeport , onde Charles Smith aparece a confessar os passos da corrupção e onde diz que José Sócrates "é corrupto" , não valia em Portugal!
Ora, a conversa foi gravada segundo a lei britânica. Vale no Reino Unido, porque obtida de harmonia com a lei.
Tanto bastaria para valer em Portugal, a não ser que tivesse sido violada alguma norma da Convenção Europeia dos Direitos do Homem - o parâmetro de comparação - ou princípio nela consagrado.

Mas a Drª Cândida Almeida logo afastou a valoração daquela prova.

Pois bem , o Ministério Público, pela pena da procuradora -adjunta Drª Ana Margarida Santos, defendeu em processo a correr na secção que investiga os crimes de corrupção, a 9ª do DIAP de Lisboa, que a gravação audio de conversa entre dois corruptos é válida em Tribunal, apesar de não ter sido autorizada por magistrado judicial ou outro!

Na Revista do Ministério Público , nº 117, de Janeiro/Março de 2009, a Fls. 159 e seguintes, está publicada uma peça notável, quer do ponto de vista jurídico quer do ponto de vista político.
O caso tem a ver com dinheiro que um inspector da Segurança Social iria receber para não prosseguir com três processos contra uma empresa.

O empresário não aceitou pagar, mas gravou a conversa. E depois apresentou queixa crime pela prática do crime de corrupção e juntou a conversa gravada.

Diz aquela magistrada, defendendo sempre a junção aos autos da gravação, por ser essencial à boa justiça , que:

"(...) -em conversa com M. e na presença de S. genro de J.,
que ali se encontrava , B disse àquela que só havia uma maneira de resolver o
problema e que queria falar a sós com ela.

- S.
deixou M e B a sós mas, desconfiado das intenções de B., deixou o seu telemóvel
no modo de gravação sobre a secretária, para que ficasse registada a conversa
que M. iria manter com B.

- na conversa que
manteve com M. e que foi gravada pelo modo supra descrito, B solicitou 3.000€
para entregar ao inspector e aos seus superiores, para que os processos de
contra-ordenação nº 170701302, 170701304 e 170701306 não prosseguissem, verba
que deveria ser entregue em numerário e não em cheque, sendo que o Inspector A.
passaria pelo estabelecimento para receber o dinheiro.

- No dia 13 de Junho de 2007 o Inspector A deslocou-se ao
restaurante H, tendo J dito ao Inspector que não alinhava em esquemas e que
fizesse o seu trabalho.

Tais factos são
susceptíveis de integar a prática de um crime de corrupção passiva para acto
ilícito, previsto no artº 372º, nº 1 do Código Penal, na medida em que é de
admitir que B possa ter solicitado vantagem patrimonial indevida, destinada a A.
com o consentimento ou ratificação deste, Inspector da I.G.T.
(...)
Reunidos pois os pressupostos
e os requisitos de (duas) causas justificativas, há que concluir que a gravação
realizada por M. e S. não é ilícita.".


A magistrada do Ministério Público depois argumenta de forma superior, defendendo sempre a legalidade da prova, face aos princípios de direito aplicáveis.
Temos pois , que mesmo em Portugal , e apesar de não ter sido colhida a prova com prévia autorização judicial, ela é legal se se for à teleologia da lei, se houver causa justificativa, se se harmonizarem os bens jurídicos em causa.
Seria bom que a Drª Cândida Almeida lesse esta peça, extraordinariamente bem concebida.
Porque o Ministério Público tem o dever de valorar a prova gravada no DVD do Freeport, pois , além de ser legal face ao ordenamento jurídico britânico, há valores em causa que permitem que, mesmo à luz da nossa lei, a prova seja legal.
Os portugueses têm de saber que as nossas instituições funcionam, seja o Zé ou o Manel o arguido, seja pobre ou rico, tenha poder político ou não.
Senão, os outros países - que estão estupefactos com as trapalhadas portuguesas - não nos respeitam e lá vem mais uma vez o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem dizer, como já disse, que o Ministério Público tem uma conduta em Portugal e outra diametralmente oposta naquele Tribunal.